domingo, 23 de março de 2014

The little bird and the rain

Alice querida... Boa noite.
Pensei hoje sobre o quanto custa ser você mesma. O quão caro é defender seus valores e não abrir mão deles ainda que tudo ao seu redor conspire para que o faça...
Depois de algum tempo a gente acaba se acostumando que pessoas entram e saem das nossas vidas naturalmente. Naturalmente porque faz parte do ciclo natural da vida... e assim como plantas, outros animais, nós... as histórias, as conexões, as relações todas obedecem o ciclo básico de nascimento - desenvolvimento - e morte.
Necessariamente não significa que as histórias, ou as relações, irão simplesmente se acabar... Mesmo porque acho nosso conceito de morte [nosso ocidental] muito limitado... Prefiro acreditar que a morte nada mais seja que o ápice de um estado de transformação... quando algo deixa de ser o que era e passa a ser outra coisa... Assim, esse meu "corpinho" cheio de moléculas de carbono, hidrogênio, nitrogênio, fósforo, potássio... Um dia vai virar adubo, e vai nutrir alguma planta, que vai gerar frutos, e vai ser ingerida por alguma ave... E no final das contas TODOS nós [enquanto corpo - matéria] não passaremos de cocô de passarinho!
E você deve estar se perguntando agora o quê o cocô de passarinho tem a ver com meus valores??? Tudo, minha cara! Não adianta qual a marca do carro que eu dirigi ou do perfume que eu usei... As lojas que eu frequentava ou os restaurantes onde costumava encontrar meus amigos... se no final das contas tudo o que eu investi no meu corpo vai virar bird shit...
E enquanto a gente não entender isso de verdade, vamos trilhar uma existência absolutamente sem sentido.
Hoje passava das seis horas quando resolvi sair de casa... O dia entardeceu escuro, o tempo estava fechado, e dessa hora em diante choveu bastante... Fui ao centro porque precisava passar na farmácia e fazer umas compras pra casa. Na primeira farmácia não consegui comprar o que precisava, fui a uma segunda. No percurso, debaixo de chuva, e sob o risco de tomar um banho da enxurrada que corria na rua, uma moça numa cadeira de rodas me chamava insistentemente... "Moça... Moça...". Shame on me, eu não queria parar... Queria comprar o que precisava e ir embora logo... Mas ela insistiu... "Moça, a pombinha!!!". Me voltei a ela e perguntei: "O quê???". Ela: "A pombinha, está molhada e não consegue voar... Está debaixo daquele carro ali... se ninguém tirá-la de lá ela vai morrer". Fui na direção que a moça me indicou... a pombinha não quis ser simpática comigo, mas não me importei [eu também não havia sido a princípio com a mocinha na cadeira de rodas e ela insistiu... O mínimo que eu poderia fazer era o mesmo]. Encurralei a danada, segurei as asas pra que não se debatesse, e a deixei em segurança no jardim, sob a marquise, próxima do lugar onde a moça que me chamou a atenção esperava a chuva passar.
"Obrigada moça... você vai pro céu... graças a você a pombinha não vai morrer!!!". E foi aí que eu me senti péssima. Porque não quis parar quando ela me chamou pela primeira vez... porque achei que ela fosse me pedir algo... porque estava tão focada em mim, nas minhas necessidades, que foi preciso insistência pra que eu me virasse pra ela... Porque eu entrei nessa droga de inconsciente coletivo que prega que todo mundo do mundo vai te procurar sempre pra pedir algo pra si mesmo... que todas as pessoas do mundo estão se importando mais com os próprios umbigos que com qualquer outra coisa...

Então ao mesmo tempo que eu agradeci a Deus e me senti abençoada pelas palavras daquela moça - meu Deus, ela estava numa cadeira de rodas, sob uma marquise, esperando a chuva passar... e ainda assim se preocupou com a segurança de um animal que talvez tivesse menos necessidades que ela. - me senti culpada por ter absorvido essa nova onda geral de "selfismo".
E faz tanto tempo que eu venho convivendo com isso que acho que de algum jeito acabei me contaminando. Talvez por medo de deixar morrerem as relações que eu havia construído... Talvez por preguiça de pagar o preço por não querer me deixar levar pela onda. E talvez hoje tenha sido a terapia, a cura...
Entendi que ser quem você é, defender seus valores e pagar o preço por isso é infinitamente mais barato que bancar o que não é. Entendi que pessoas, histórias, relações nunca vêm em vão... sempre há algo que se possa aprender... às vezes um exemplo positivo, outras vezes, algo a não se seguir. Entendi que as pessoas que olham para o próprio umbigo o tempo todo e só enxergam as próprias necessidades precisam muito mais do meu amor do que eu - ainda - consigo entender. Entendi que Deus se faz presente nas pequenas coisas, nos pequenos gestos do dia-a-dia... E que por mais que às vezes eu possa deixar parecer que desisti Dele, Ele vem e mostra que não desistiu de mim... e me resgata... e toda vez há festa, porque quantas vezes eu voltar vou ser tratada com a festa da "filha pródiga".
Entendi que EU TE AMO não é bom dia... e entendi que não é todo mundo que sabe disso.
Um abraço caloroso de uma noite chuvosa e abafada.